"Equiparação Salarial"

 


Há um determinado tipo de pleito judicial em matéria trabalhista contra sua empresa, que por melhor organizada que ela seja, em havendo um número considerável de funcionários, vai sempre aparecer: "o pedido de equiparação salarial".


Por vezes, há mesmo pessoas em funções idênticas, exercidas desde a mesma época, com ganhos diferentes na companhia, com a equiparação salarial sendo mesmo devida e tudo mais. No entanto, quando não é bem esse caso, o que a empresa tem para se defender?


Um bom advogado, diriam alguns. Caberia então apenas ao advogado da empresa, já na sua defesa judicial e em audiência, com as provas que lhe são fornecidas, atuar sobre o convencimento do Juiz, demonstrando as distinções de cargos e salários, com parâmetro no artigo 461, parágrafos 1.o e 2.o da CLT:


"Art. 461: Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.


Parágrafo 1.o: Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cujo tempo de serviço não for superior a 2 (dois) anos.



Parágrafo 2.o: Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira, hipótese em que as promoções deverão obedecer aos critérios de antiguidade e merecimento. (...)"


Então, já durante a audiência, com o início da instrução, o Magistrado certamente quererá ouvir o "paradigma" na qualidade de testemunha, indicado para equiparação salarial na inicial. A empresa também terá interesse na oitiva para esclarecer as coisas. Entretanto, no momento da efetivação dessa prova que se inicia, entram em ação vários fatores, compreensíveis apenas no âmbito do entendimento dos problemas complexos*, que geralmente não são levados em conta, tais como:




  • o constrangimento do "paradigma", no geral homem de valor, assim considerado também entre seus colegas. É natural que esse relute em afirmar diretamente que possui várias capacidades, responsabilidades, maior produtividade ou perfeição técnica, para além daquele reclamante, seu ex-colega de trabalho (agora desempregado e em dificuldades), com quem muitas vezes conviveu e ombreou por anos na realização de suas tarefas cotidianas. Este "paradigma", lembrando o que diz meu colega Cícero Bucci, poderá vir a ser uma testemunha em juízo para a "canonização do reclamante", deixando de ser realista seu depoimento;


  • mesmo quando o "paradigma" tenha objetividade e assertividade para responder às perguntas que lhe são formuladas pelo Juiz, talvez ele não consiga, em poucas palavras explicar quais são as funções que tecnicamente exerce; quais os equipamentos manuseados; quais as responsabilidades e processos envolvidos, em cada turno, em cada diferente setor da fábrica ou ainda diferenças sutis de produção e exigências técnicas para as diferentes funções;


  • assim como o "paradigma", as demais testemunhas trazidas por ambas as partes serão geralmente trabalhadores, operários, pessoas da linha de produção. Não são pessoas que se pretendam eloqüentes ou didáticas nas explicações sobre questões internas relativas ao seu trabalho na empresa. Mesmo assim, responderão a perguntas, feitas durante uma instrução processual (geralmente apressada pela extensa pauta forense), tais como: "O que o senhor faz na empresa?" "O que o seu ex-colega fazia?" Responderão assima perguntas cujas respostas talvez não sejam suficientes para o entendimento da questão;


  • o ônus da prova pertence à empresa, conforme a Súmula n.o 6, inciso VIII, do Tribunal Superior do trabalho, ou seja, cabe à empresa a prova de "fato impeditivo, modificativo ou extintivo da equiparação salarial".

Dessa forma, o que se quer dizer é que o resultado da instrução processual poderá na verdade não esclarecer os pontos controvertidos no processo. Poderá nem mesmo atender ao princípio do contraditório, que deve ser substancial e não apenas formal, como bem ensina "Didier Junior"*. Uma quantidade considerável de processos no contencioso trabalhista de sua empresa provavelmente versa sobre o tema da "equiparação salarial". Por razões óbvias, os resultados deles em grande parte não condizem com a realidade, não conduzem a resultados justos, não chegam a finalidade para que foram construídos o Direito Processual e a própria Justiça do Trabalho como um todo.


Além disso, diante de um resultado manifestamente injusto na audiência, no caso de ser desfavorável à empresa, o preposto e às testemunhas que dela participaram levarão de volta para o trabalho, para a "rádio corredor", notícias lamentáveis e desmoralizantes: "Fulano entrou na Justiça com pedido de equiparação absurda com reclação a Ciclano e obteve a condenação da empresa". Alguns colegas acharão estranho, outros injusto, outros infelizmente entenderão nisso uma demonstração de desorganização e uma oportunidade futura de acionar a empresa, mesmo se não houver bases.


Mas, para que manter essa fragilidade desnecessária? Afinal, a empresa tem um papel fundamental na diminuição desse problema, que se não observado devidamente, tem tudo para se tornar um problema crônico. Atitudes concretas como o efetivo estabelecimento de um quadro de carreira homologado pelo Ministério do Trabalho, contendo as hipóteses de promoção por antiguidade e merecimento, quadro esse monitorado freqüentemente diante do conjunto de funcionários em atividade, nas diversas áreas; a realização das promoções devidas aos funcionários, dentro dos quadros previamente estabelecidos; o cuidado da empresa para não criação de expectativas falsas, ao permitir-se que determinados funcionários realizem funções para além do seu cargo, seja "porque ele tem prática" ou "porque faltou pessoal habilitado" ou qualquer outra desculpa infundada; o esclarecimento dos colaboradores, em cada escalão ierárquico, sobre suas funções, documentalmente delineadas nos limites de uma descrição de cargo, são atitudes que diminuirão em muito a incidência desse tipo de processo.


Em última análise, o problema da "equiparação salarial", que se manifesta em processos judiciais movidos contra a empresa, reside fundamentalmente nas expectativas e frustrações, no natural anseio de ascenção do ser humano, na humana necessidade do reconhecimento pelo trabalho, como também no ressentimento por ter sido preterido para o cargo. A gênese da questão está enfim na infinidade de nuances e partes delicadas desse ser emocional que constitui uma pessoa, frente à complexidade de se administrar um grande número de indivíduos envolvidos nas diferenes etapas de produção de uma empresa.


De qualquer forma, ao lidar adequadamente com essa questão complexa, ao nosso ver a empresa estará economizando com isso muita saúde organizacional e dinheiro.


Referências:
- Fredie Didier Jr., Curso de Direito Processual Civil, 1.0 volume, 9.a edição, Ed. Podium
- Richard Koch, Caos e Complexidade - As Leis do Poder, Ed. Rocco


Esse artigo foi publicado na edição número 17 do jornal A COMARCA do Mundo Jurídico.



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